A geração perdida
Os enfermeiros que começaram a trabalhar ontem nos centros de saúde de
Lisboa e que foram contratados por empresas de prestação de serviços - o
Estado arranja forma de, ele próprio, ludibriar a lei laboral,
socorrendo-se de empresas negreiras - receberão 4 euros por hora.
Centenas de bolseiros que trabalham em laboratórios e universidades do
Estado estão há meses com as suas bolsas em atraso. Os bolseiros de
doutoramento receberam o mês de Julho com atraso. Uns e outros estão,
com muitas raras exceções, proibidos de ter qualquer outra fonte de
rendimento. Têm de viver do ar ou com a ajuda dos pais, se eles lhes
conseguirem valer.
Poderia continuar. Os estágios não pagos em
várias profissões qualificadas. A forma como as empresas de trabalho
temporário transformam a desgraça de milhares de jovens numa excelente
oportunidade de negócio. Mas tudo se resume a isto: andámos a gastar
dinheiro em formação para mandar embora os jovens mais qualificados que
alguma vez este País conheceu. A isto chama-se desperdício. E não, não
temos, como muita gente julga, "doutores" a mais. Olhem para a Europa.
Temos "doutores" a menos. O problema é que a maioria das nossas empresas
não foi capaz - por culpa própria ou pela estratégia económica dos
sucessivos governos - de aproveitar esta oportunidade.
Um jovem
qualificado português tem duas possibilidades: ou vive às custas dos
pais nos primeiros anos de carreira (se os pais o puderem ajudar), paga
para trabalhar e aceita adiar o começo da sua vida para um passado
distante, ou emigra e vem cá no Verão. Se fizer a primeira escolha, pior
para ele. Se fizer a segunda, pior para nós.
Recentemente, um
jovem deputado do CDS, com 29 anos, estudante veterano e sem nenhum
currículo que não seja o de deputado, disse, sobre o jovem português:
"fatalmente, vai cada vez mais criar o próprio emprego e não andar à
procura na indústria ou noutros sectores". Foi isso que fez no CDS e
justamente ficou com a pasta do empreendedorismo. Não desenvolvo mais
sobre esta maravilhosa frase do felizmente obscuro "jotinha" Michael
Seufert, que tem como principal solução para o desemprego dos jovens que
estes deixem de descontar e receber da segurança social. Apenas isto:
nenhum país vive exclusivamente de empresas unipessoais. Nenhum país
dispensa técnicos especializados que podem não ter especial talento para
os negócios, mas sem os quais os negócios não vão longe. Compreendo que
estes empreendedores teóricos - como o nosso primeiro-ministro - não
consigam passar das frases feitas, dignas dos artigos de auto-ajuda
profissional. Mas ou começamos a ser governados por quem queira
aproveitar a melhor de todas as gerações, ou espera-nos um futuro
sombrio.
Como é possível algum tipo de "empreendedorismo" se os
melhores se forem embora? Como esperam vencer a nossa crise demográfica
se os jovens viverem na mais absoluta das precariedades? Como esperam
que eles garantam uma boa formação para si e para os seus filhos, se
cometerem a loucura de os ter, a receberem 4 euros por hora? Como será a
nossa velhice se, para viverem, os nossos filhos dependerem da ajuda
das nossas magras reformas? Enfim, como poderá esta sociedade ser
sustentável se continuarem a esmifrar até ao tutano uma geração que se
preparou para o desenvolvimento de um País que decidiu regressar ao
século XIX?
Daniel Oliveira (www.expresso.pt)
8:00 Terça feira, 3 de julho de 2012